ZERO HORA 16/05/2015 | 04h01min
Legislação embaçada. Após três anos da Lei da Transparência, acesso a dados públicos ainda é desafio. Norma que dá mais poderes ao cidadão para obter informações de governos promoveu avanços, mas ainda falta a regulamentação em centenas de municípios
por Juliana Bublitz
Legislação completa três anos neste sábado e ainda enfrenta problemas para destrancar dados públicos Foto: Zero Hora
A Lei de Acesso à Informação completa três anos hoje com motivos para comemorar, mas também com grandes desafios pela frente. Entre eles, necessidade de regulamentação em centenas de municípios, reforço na fiscalização e maior rigor nas penalidades para quem desrespeita a legislação.
De um modo geral, especialistas afirmam que a norma desencadeou avanços importantes, apesar dos problemas.
– Os agentes públicos, no mínimo, têm tentado parecer transparentes. E o constrangimento de não sê-lo é muito maior do que antes da lei – afirma Marina
Atoji, secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.
O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Cezar Miola, lembra que, até 2012, persistia no país uma “cultura de apropriação” das informações pelos órgãos públicos. Desde então, o cenário vem se transformando.
– A lei forçou e precipitou a mudança. Em 2012, por exemplo, apenas metade das câmaras municipais no Rio Grande do Sul tinha sites. Em 2014, eram 81% e, agora, a nossa expectativa é de que o índice passe de 90% – destaca Miola.
Entre os pontos negativos, o especialista em transparência pública Fabiano Angélico aponta o fato de que 64% das cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes sequer regulamentaram a lei. Nesses locais, se alguém tiver um pedido de acesso negado, não terá a quem recorrer.
Falhas na forma de fiscalizar e punir
– A regulamentação é fundamental porque define questões práticas que fazem a lei valer. Sem isso, é como se ela não existisse – alerta Angélico.
Outro motivo de inquietação envolve falhas na fiscalização e na punição. Para Gisele Craveiro, coordenadora do Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da Universidade de São Paulo (USP), esses fatores tendem a fragilizar o regramento.
– Por mais de meio século, o sigilo foi a regra. É claro que isso não acaba em três anos, mas a sociedade precisa pressionar – afirma Gisele.
Estado avalia divulgação de nomes e de salários
Qualquer um pode consultar os nomes e salários de servidores dos principais órgãos públicos do país. Apesar disso, o governo do Rio Grande do Sul continua na contramão. Desde que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor, por decisão do ex-governador Tarso Genro o Palácio Piratini limita-se a divulgar a informação pela metade. O site oficial disponibiliza apenas as remunerações por cargo, sem a identidade dos beneficiários.
De acordo com a assessoria de comunicação da Casa Civil, o atual governo ainda avalia o que fazer em relação ao assunto – e não há prazo para definição. Secretário-geral da ONG Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco critica a restrição:
– A sociedade tem o direito de saber quanto e a quem está pagando. Se o servidor não quer esse ônus, deve procurar emprego na iniciativa privada.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema reforça o argumento. Em abril deste ano, uma funcionária da prefeitura de São Paulo recorreu à Corte – que, aliás, publica salários individualizados – para pedir a retirada de seus dados do site da administração municipal.
Resultado: o STF negou o pedido, e a decisão deverá ser seguida pelos demais tribunais em ações semelhantes. Na ocasião, o ministro Marco Aurélio Mello declarou que “o servidor não pode pretender ter a mesma privacidade que o cidadão comum” e que, “entre o interesse individual e o coletivo, prevalece interesse público”.
Adoção da regra precisa avançar
Mesmo com os avanços, a Lei de Acesso à Informação ainda não está consolidada no país, avalia Valdir Simão, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU). Apesar de o órgão não ter papel de fiscalizar a aplicação da regra, Simão lembra que o diagnóstico sobre a adoção da legislação em Estados e municípios pode ajudar em ações do Ministério Público Federal e de tribunais de contas.
– O descumprimento pode caracterizar ato de improbidade administrativa – comentou.
A lei – sancionada em novembro de 2011, e em vigor desde maio de 2012 – garante o acesso a documentos públicos de órgãos federais, estaduais e municipais dos três poderes. O sigilo de documentos só será justificável em casos de proteção da segurança do Estado e de informações de caráter pessoal.
Menos de 10% dos municípios cumprem a lei, aponta CGU
A Controladoria-Geral da União (CGU) criou a Escala Brasil Transparente para verificar o grau de adoção da Lei de Acesso à Informação no país. A conclusão foi de que menos de 10% dos municípios brasileiros cumprem a legislação que hoje completa três anos em vigor. O levantamento do órgão analisou pedidos encaminhados ao Poder Executivo de Estados e municípios.
O trabalho foi feito entre janeiro e maio deste ano. Foram analisados 492 municípios com no máximo 50 mil habitantes, além de todas as capitais. Na escala estadual, a CGU também avaliou os 26 Estados e o Distrito Federal.
Para concluir se houve o cumprimento efetivo, funcionários da CGU fizeram quatro pedidos de informações aos municípios, sem se identificarem como integrantes do órgão, e analisaram o tempo da resposta, se houve resposta e a qualidade das respostas.
Do total dos municípios avaliados, 63% tiraram nota zero. Cerca de 23%, tiveram nota entre 1 e 2. Apenas sete cidades tiraram notas entre 9 e 10. Receberam nota 10 a pequena Apiúna (SC), com 10,2 mil habitantes, e São Paulo, com população de 11,8 milhões. Na escala estadual, Ceará e São Paulo foram considerados os mais transparentes, enquanto Amapá e Rio Grande do Norte tiraram zero.
Legislação embaçada. Após três anos da Lei da Transparência, acesso a dados públicos ainda é desafio. Norma que dá mais poderes ao cidadão para obter informações de governos promoveu avanços, mas ainda falta a regulamentação em centenas de municípios
por Juliana Bublitz
Legislação completa três anos neste sábado e ainda enfrenta problemas para destrancar dados públicos Foto: Zero Hora
A Lei de Acesso à Informação completa três anos hoje com motivos para comemorar, mas também com grandes desafios pela frente. Entre eles, necessidade de regulamentação em centenas de municípios, reforço na fiscalização e maior rigor nas penalidades para quem desrespeita a legislação.
De um modo geral, especialistas afirmam que a norma desencadeou avanços importantes, apesar dos problemas.
– Os agentes públicos, no mínimo, têm tentado parecer transparentes. E o constrangimento de não sê-lo é muito maior do que antes da lei – afirma Marina
Atoji, secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.
O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Cezar Miola, lembra que, até 2012, persistia no país uma “cultura de apropriação” das informações pelos órgãos públicos. Desde então, o cenário vem se transformando.
– A lei forçou e precipitou a mudança. Em 2012, por exemplo, apenas metade das câmaras municipais no Rio Grande do Sul tinha sites. Em 2014, eram 81% e, agora, a nossa expectativa é de que o índice passe de 90% – destaca Miola.
Entre os pontos negativos, o especialista em transparência pública Fabiano Angélico aponta o fato de que 64% das cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes sequer regulamentaram a lei. Nesses locais, se alguém tiver um pedido de acesso negado, não terá a quem recorrer.
Falhas na forma de fiscalizar e punir
– A regulamentação é fundamental porque define questões práticas que fazem a lei valer. Sem isso, é como se ela não existisse – alerta Angélico.
Outro motivo de inquietação envolve falhas na fiscalização e na punição. Para Gisele Craveiro, coordenadora do Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da Universidade de São Paulo (USP), esses fatores tendem a fragilizar o regramento.
– Por mais de meio século, o sigilo foi a regra. É claro que isso não acaba em três anos, mas a sociedade precisa pressionar – afirma Gisele.
Estado avalia divulgação de nomes e de salários
Qualquer um pode consultar os nomes e salários de servidores dos principais órgãos públicos do país. Apesar disso, o governo do Rio Grande do Sul continua na contramão. Desde que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor, por decisão do ex-governador Tarso Genro o Palácio Piratini limita-se a divulgar a informação pela metade. O site oficial disponibiliza apenas as remunerações por cargo, sem a identidade dos beneficiários.
De acordo com a assessoria de comunicação da Casa Civil, o atual governo ainda avalia o que fazer em relação ao assunto – e não há prazo para definição. Secretário-geral da ONG Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco critica a restrição:
– A sociedade tem o direito de saber quanto e a quem está pagando. Se o servidor não quer esse ônus, deve procurar emprego na iniciativa privada.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema reforça o argumento. Em abril deste ano, uma funcionária da prefeitura de São Paulo recorreu à Corte – que, aliás, publica salários individualizados – para pedir a retirada de seus dados do site da administração municipal.
Resultado: o STF negou o pedido, e a decisão deverá ser seguida pelos demais tribunais em ações semelhantes. Na ocasião, o ministro Marco Aurélio Mello declarou que “o servidor não pode pretender ter a mesma privacidade que o cidadão comum” e que, “entre o interesse individual e o coletivo, prevalece interesse público”.
Adoção da regra precisa avançar
Mesmo com os avanços, a Lei de Acesso à Informação ainda não está consolidada no país, avalia Valdir Simão, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU). Apesar de o órgão não ter papel de fiscalizar a aplicação da regra, Simão lembra que o diagnóstico sobre a adoção da legislação em Estados e municípios pode ajudar em ações do Ministério Público Federal e de tribunais de contas.
– O descumprimento pode caracterizar ato de improbidade administrativa – comentou.
A lei – sancionada em novembro de 2011, e em vigor desde maio de 2012 – garante o acesso a documentos públicos de órgãos federais, estaduais e municipais dos três poderes. O sigilo de documentos só será justificável em casos de proteção da segurança do Estado e de informações de caráter pessoal.
Menos de 10% dos municípios cumprem a lei, aponta CGU
A Controladoria-Geral da União (CGU) criou a Escala Brasil Transparente para verificar o grau de adoção da Lei de Acesso à Informação no país. A conclusão foi de que menos de 10% dos municípios brasileiros cumprem a legislação que hoje completa três anos em vigor. O levantamento do órgão analisou pedidos encaminhados ao Poder Executivo de Estados e municípios.
O trabalho foi feito entre janeiro e maio deste ano. Foram analisados 492 municípios com no máximo 50 mil habitantes, além de todas as capitais. Na escala estadual, a CGU também avaliou os 26 Estados e o Distrito Federal.
Para concluir se houve o cumprimento efetivo, funcionários da CGU fizeram quatro pedidos de informações aos municípios, sem se identificarem como integrantes do órgão, e analisaram o tempo da resposta, se houve resposta e a qualidade das respostas.
Do total dos municípios avaliados, 63% tiraram nota zero. Cerca de 23%, tiveram nota entre 1 e 2. Apenas sete cidades tiraram notas entre 9 e 10. Receberam nota 10 a pequena Apiúna (SC), com 10,2 mil habitantes, e São Paulo, com população de 11,8 milhões. Na escala estadual, Ceará e São Paulo foram considerados os mais transparentes, enquanto Amapá e Rio Grande do Norte tiraram zero.