domingo, 30 de dezembro de 2012

A SINECURADOS CONSELHOS




ZERO HORA 30 de dezembro de 2012 | N° 17298


EDITORIAIS


Graças à Lei de Acesso à Informação e à liberdade de imprensa existente no país, os gaúchos tiveram esta semana a oportunidade de conhecer uma das deformações mais constrangedoras e revoltantes da administração pública, que é o loteamento político de conselhos fiscais e administrativos de empresas estatais. Por conta dessa verdadeira farra de apadrinhamentos, secretários de Estado, candidatos derrotados nas urnas, aliados partidários e amigos do governo reforçam a renda pessoal com recursos públicos que deveriam pagar técnicos capacitados para efetivamente fiscalizar os órgãos públicos. Esse sistema viciado impõe dupla perda ao contribuinte, pois é dos impostos que saem os recursos para pagamento dos jetons e são tênues as garantias de que conselheiros sem a devida especialização fiscalizem adequadamente as empresas públicas que os remuneram. Quando não é pela falta de conhecimento específico, é pela falta de independência em relação ao governante que os nomeou.

Cabe, evidentemente, fazer a ressalva de que tal licenciosidade não foi criada no atual governo, nem é exclusividade do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma prática comum tanto na administração federal (pelo menos 13 ministros recebem jetons em conselhos de estatais federais) quanto em outras unidades da federação. Mas, pelo que se viu no recente levantamento, o Executivo estadual usa e abusa da livre nomeação de conselheiros. Nada menos do que 23 dos 29 secretários, além de dezenas de secretários adjuntos, diretores e assessores, engordam seus contracheques dessa maneira.

Também não se pode simplesmente achar que todos são apenas aproveitadores. Certamente muitos dos conselheiros lotados em empresas públicas, tanto no âmbito federal quanto nos Estados, exercem criteriosamente suas atribuições de fiscalizar atos da diretoria, conferir as contas e contribuir para a boa gestão. Mas fica evidente que um percentual elevado de indicados tem como único propósito receber a compensação financeira – ainda que alguns aceitem o encargo sem qualquer remuneração.

Na verdade, o problema maior nem é o recurso despendido, que às vezes é irrisório. O lamentável é o descaso com a coisa pública, aliado à falta de transparência que possibilita o apadrinhamento e o empreguismo. Por isso, a Lei de Acesso à Informação é tão bem-vinda. Ela permite ao cidadão comprovar eventuais suspeitas sobre a atuação de seus representantes, como essa do uso do poder para beneficiar amigos e aliados partidários. Não tem que ser assim. Os governos não podem se tornar reféns de alianças políticas que geram prejuízos para a sociedade. Desta forma, a máquina pública sempre vai parecer demasiada, pouco eficiente e voltada mais para os interesses de quem a administra do que para os cidadãos, que deveriam ser a verdadeira razão de sua existência.

O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no site e no Facebook de Zero Hora, na sexta-feira. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Você concorda com o editorial que condena indicações políticas para conselhos de estatais?



LEI DE ACESSO: LUZ NOS DADOS, SOMBRA NOS SALÁRIOS

ZERO HORA, 30 de dezembro de 2012 | N° 17298

ACESSO À INFORMAÇÃO. Nova lei iluminou arquivos públicos

No combate à cultura do sigilo, o governo federal deu o maior exemplo na divulgação de dados

JULIANA BUBLITZ

Quarenta e oito mil pedidos de dados foram respondidos e cinco grandes acervos – digitais e analógicos – abriram-se ao público, mas nem tudo deu certo no ano de estreia da Lei de Acesso à Informação.

Em vigor desde maio, a nova regra chega a 2013 com um desafio do tamanho do Brasil: tornar-se realidade em todos os Estados e municípios, de Norte a Sul.

No plano federal, a norma sancionada pela presidente Dilma Rousseff pegou. Dados importantes, até então ocultos pela cultura do sigilo, vieram à tona e estão disponíveis. São os casos dos contracheques dos servidores federais – divulgados inclusive com o nome do funcionário – e de milhares de fotografias e documentos da ditadura militar (1964-1985), cuja consulta era restrita.

– A nova lei iluminou os arquivos brasileiros. O desafio, agora, é ampliar esse efeito – resume Jaime Antunes da Silva, diretor-geral do Arquivo Nacional, com sede no Rio de Janeiro.

O problema é que, em pelo menos 15 Estados, a norma sequer foi regulamentada. Das 51 mil solicitações encaminhadas à União, 65% partiram de apenas cinco unidades da federação – entre elas o RS. Nas demais, a participação foi pífia. Do Amapá, saíram somente 72 pedidos de informação. Muitos brasileiros nem desconfiam de seus direitos.

– Ainda há muito desconhecimento, principalmente longe do eixo Sul e Sudeste, onde o nível de escolaridade é maior – afirma o especialista em transparência Fabiano Angélico, pesquisador da FGV em São Paulo.

Mesmo nessas regiões há deficiências. No Estado, o Palácio Piratini regulamentou a lei e implantou o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC). Recebeu 600 pedidos, respondeu a maioria, mas continua sem publicar os salários identificando os funcionários. O mesmo ocorre na Assembleia Legislativa e no Tribunal de Justiça.

A superação dos entraves depende de vontade política e de pressão social. O processo, diz Angélico, é longo, mas irreversível.

Publicação de informações sobre salários ainda patina

Se em 2013 o maior desafio da Lei de Acesso à Informação é chegar aos mais longínquos recantos do país – incluindo cidades do interior gaúcho –, bons exemplos não faltam no Estado.

Um deles é o da prefeitura de Porto Alegre. A Capital foi uma das pioneiras na divulgação da folha de pagamento com identificação e, depois de uma longa batalha jurídica, conseguiu manter os dados em seu portal da Transparência – um dos mais completos do Estado. O acervo segue liberado para consultas. A maioria das cidades do Estado, no entanto, está longe de ter uma política semelhante.

– Fomos até as últimas instâncias para defender a causa. Batemos à porta do STF e fomos atendidos. Agora, o caminho está aberto para as demais prefeituras e instituições. Basta ter vontade política – diz o procurador-geral do município, João Batista Linck Figueira.


ENTREVISTA. “O cidadão tem direito de saber como a prefeitura está gastando”

Mário Vinícius Spinelli - Secretário de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União



Para o secretário de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU), Mário Vinícius Spinelli, o ano que se inicia será decisivo para a Lei de Acesso à Informação. Para garantir que a aplicação da norma seja ampliada e atinja todos os municípios e Estados, inclusive os mais remotos, a CGU oferecerá cursos e cederá o sistema de atendimento online em vigor na esfera federal. Confira.

Zero Hora – Que balanço o senhor faz da aplicação da Lei de Acesso à Informação em 2012?

Mário Vinícius Spinelli – O balanço é positivo. Foram mais de 51 mil pedidos. O alto número de consultas demonstra que a sociedade tem usado a lei. E não só como um mecanismo de combate à corrupção, mas também como uma ferramenta de inclusão social. Muita gente pede informações sobre como obter determinados benefícios ou serviços.

ZH – Na maioria dos municípios e em muitos Estados, a lei ainda patina. Como o senhor avalia isso?

Spinelli – Não há razão para que a lei ainda não tenha sido aplicada. O prazo para adaptação foi curto, mas ela está em vigor há mais de seis meses. Honestamente, não vejo motivo para desculpas. Aplicá-la tem de ser uma prioridade. É de extrema importância para os cidadãos em nível local. Eles têm o direito de saber, por exemplo, a qualidade da merenda servida nas escolas e como a prefeitura está gastando o dinheiro.

ZH – A CGU não pode fazer nada para cobrar agilidade de prefeitos e governadores?

Spinelli – Não temos prerrogativa para isso. Cabe ao Ministério Público, às Câmaras. Mas estamos apoiando os Estados e municípios. Eles não podem dizer que não têm condições de implantar um sistema próprio de informações na internet, porque oferecemos o nosso sistema, de forma gratuita.

ZH – Qual é o desafio para 2013 em relação ao acesso à informação?

Spinelli – É fazer com que a lei seja aplicada em todo o país. Vamos capacitar servidores municipais e estaduais. Temos condições de ajudar, mas tem de haver vontade política, e a sociedade tem de cobrar mais. A partir de 2013, todo e qualquer município terá de manter um portal na internet. Essa regra vai valer para todos.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As artimanhas para não divulgar os salários é uma forma de esconder as imoralidades do direito adquirido, os privilégios em relação a cargos iguais e assemelhados e a existência de contracheques e vantagens  complementares que extrapolam o teto.



sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

COMO FAZER PEDIDO ANÔNIMO DE INFORMAÇÃO PÚBLICA?

O ESTADO DE SÃO PAULO, 20/12/2012

Públicos


Site permite fazer pedido anônimo de informação pública




Membros da Transparência Hacker (THacker) criaram um método para resolver um problema enfrentado por muita gente: a identificação do autor do pedido de informação.

A Lei de Acesso, em seu artigo 10., obriga a “identificação do requerente”, e há diversas situações de gente que não pode se identificar por algum motivo. São comuns, por exemplo, casos de servidores que sabem de alguma irregularidade em um órgão público e precisam de informações oficiais para comprová-las, mas não podem se expor por medo de represálias de seus superiores.

Em cidades menores, sobretudo, há o temor do coronelismo e de perseguições políticas, vícios dos quais infelizmente ainda não conseguimos nos livrar.

A excelente notícia é que, dentro das regras do jogo, os ativistas da THacker conseguiram achar uma forma de driblar a lei: criaram o Adote um Pedido, um site que possibilita que alguém cadastre de forma completamente sigilosa um pedido que gostaria de fazer, porém, por algum motivo, não pode. De outro lado, permite que outras pessoas visualizem o banco de pedidos e que o pedido seja adotado. Neste caso, a segunda pessoa faz o pedido como se o questionamento fosse dela.

Enfim, vão ao site e vejam com seus próprios olhos! Adotem pedidos e ajudem a divulgar a iniciativa.

(Fernando Gallo)


Como funciona o Adote um Pedido?

Você registra o seu pedido preenchendo apenas três simples campos e pronto! Simples, huh? Os pedidos de informação colocados para adoção são publicados imediatamente em uma lista e qualquer cidadã(o) pode comentá-lo. E mais do que isso: alguém pode simpatizar com o seu pedido e encaminhá-lo ao órgão responsável pela resposta por meio da plataforma Queremos Saber. É importante que você não coloque informações muito específicas que possam facilitar a identificação da fonte (provavelmente, você) pelo conteúdo do texto.

Para que serve o recurso de comentários?

O recurso de comentários permite que outras pessoas enriqueçam o pedido original com outras considerações, e que melhorem a redação para torná-lo mais potente. Uma boa redação é condição necessária para que o órgão público tenha clareza do que deverá responder a(o) cidadã(o). Há órgãos que darão respostas excelentes, e outros que darão a pior resposta possível, degradadas, incompletas, saindo pela tangente (sinal de que o pedido incomodou!).

O que é o Queremos Saber?

O Queremos Saber é uma plataforma livre para pedidos de informação pública. Por meio dela, qualquer cidadão pode encaminhar publicamente pedidos de informação pública para os órgãos responsáveis, cujas respostas também serão públicas. Assim, todo mundo fica sabendo o que (e se) os órgãos públicos estão respondendo, e não apenas a pessoa que realizou o pedido de informação, que é o caso dos Serviços de Informação ao Cidadão (SIC) criados pelos governos no Brasil.

Por que garantir o sigilo dos "doadores" de pedidos?

Coronelismo, patrimonialismo, perseguição política por chefes que temem a revelação de verdades inconvenientes...

Às vezes temos um certo receio de como as nossas palavras serão interpretadas pelas outras pessoas. Ainda mais quando essa "outra pessoa" é responsável pelo orgão de algum Governo que ainda está no Feudalismo, com práticas não-republicanas, não-transparentes e não-democráticas.

O Adote um Pedido proporciona uma forma de criar um pedido de informação pública de forma completamente sigilosa. Você pode pedir, virtualmente, qualquer informação pública.

O quanto isso é sigiloso?

Todo o processo é sigiloso. Você não precisa criar nenhum cadastro, seja para criar um pedido ou para comentar!

Além disso, o Adote um Pedido foi desenvolvido com tecnologia capaz de garantir que nenhuma informação que permita rastrear os "doadores" de pedidos ou os comentaristas seja armazenada. Nenhuma! Nem endereço IP, nem horário de envio: n-a-d-a!

É isso que garante a privacidade de pessoas que sabem da existência de informações interessantes que deveriam estar disponíveis publicamente, mas sentem-se de alguma maneira constrangidos a fazer o pedido em seus próprios nomes.

Dessa forma, ninguém consegue fazer o caminho inverso e descobrir de quem ou de onde veio a ideia original do pedido. Fazer um pedido de informações, afinal, é diferente de fazer uma denúncia ou de manifestar o pensamento: trata-se de uma pergunta, não de uma afirmação.

Além de tudo isso, o Adote um Pedido foi desenvolvido como software livre e está disponível no GitHub, o que permite a qualquer pessoa possa auditar o código-fonte ou instalar outra versão em qualquer lugar do mundo.


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

SENADO QUER IMPOR SIGILO AOS SEUS DADOS


Senado quer impor mais sigilo aos seus dados

Exclusivo. Na contramão da Lei de Acesso, comissão defende sigilo para gastos com saúde, aposentadorias e pareceres da Advocacia da Casa, além da proibição de divulgar, por até 15 anos, renováveis por mais 15, o conteúdo de investigações internas

POR FÁBIO GÓIS | CONGRESSO EM FOCO 19/12/2012 07:30



José Cruz/ABr

Imagem mostra sessão em que Senado aprovou a Lei de Acesso. Sarney defende publicidade de pareceres da Advocacia.

Em 2012, o Brasil viu entrar em vigor a Lei de Acesso à Informação, marco no estabelecimento de uma cultura de transparência das informações de interesse público. Com o mesmo propósito, o país sediou neste ano a 1ª Conferência Anual de Alto Nível da Parceria para o Governo Aberto. Mas, na contramão dessas iniciativas, uma comissão do Senado, criada justamente para ordenar e facilitar o acesso do cidadão às informações, quer tornar sigilosos alguns dos documentos mais importantes do Senado. Instalada em maio, a Comissão Permanente de Acesso a Documentos do Senado tornou-se um laboratório de medidas de restrição ao direito de informação. Pela proposta em discussão, à qual o Congresso em Foco teve acesso com exclusividade, todos os pareceres da Advocacia Geral do Senado serão considerados de “caráter reservado”. Ou seja, poderão ser mantidos sob sigilo por um prazo de até cinco anos, prorrogável por mais cinco. Minuta produzida pela comissão dificulta o acesso a diversos outros tipos de informação. Ela também qualifica como reservados “estudos, planos e programas estratégicos”; “processos e auditorias da Secretaria de Controle Interno”; “documentos subsidiários dos gabinetes dos senadores”; e os valores pagos pelo Sistema Integrado de Saúde (SIS), plano de saúde oferecido gratuitamente aos senadores e aos funcionários do Senado mediante pagamento de mensalidade.

O documento define como “secretos” – isto é, sujeitos a sigilo por até 15 anos, renováveis por mais 15 – os dados, informações e documentos “que exponham conteúdo de investigação ou decisão interna corporis, relativa a juízos éticos”.

Para entrar em vigor, o texto do ato terá de ser submetido à Comissão Diretora do Senado, o que só deve ocorrer entre março e maio de 2013, como adiantou à reportagem a diretora-geral, Doris Marize Peixoto. Assim, a próxima Mesa Diretora, a ser eleita no início de fevereiro, terá a responsabilidade de examinar e aprovar a norma. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse ontem (18) ao Congresso em Foco ontem ser contra qualquer tentativa de se restringir o acesso aos pareceres da Advocacia.

A restrição aos dados é uma reivindicação de setores da cúpula administrativa do Senado. Segundo a Lei de Acesso, apenas autoridades máximas do órgão da administração pública em questão, bem como diretores dos departamentos correspondentes ao tema do documento, podem manusear informações classificadas como “reservadas”.

Há ainda demanda da cúpula administrativa por classificação de sigilo quanto aos processos de aposentadorias e readaptação de servidores. Isso significaria vedação ao conhecimento público, por exemplo, da remuneração e demais termos da concessão do benefício a determinado servidor, para citar apenas dois casos. Ou as razões que levam a um deslocamento de função, com margem a eventuais reajustes de remuneração e outras regalias – o que pode levar ao tratamento diferenciado entre servidores e exposição de motivos pessoais.

Defesa institucional

Responsável por representar o Senado em assuntos judiciais e extrajudiciais, a Advocacia da Casa tem diversas atribuições. Por meio da Advocacia, por exemplo, o Senado recorre agora da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a votação dos vetos da presidenta Dilma Rousseff à lei que redistribui os royalties do petróleo.

O órgão também pode ser utilizado para fundamentar a defesa de um senador alvo de processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética – procedimento registrado em 2007, por exemplo, com o então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Alvo de diversos processos de cassação de mandato, ele usou um parecer assinado pelo advogado-geral para questionar a abertura de novo procedimento no Conselho de Ética, alegando que a denúncia se baseou apenas em notícias da imprensa.

Cabe ao órgão também recorrer à Justiça para impedir a divulgação ou justificar a extrapolação do teto salarial do funcionalismo por parte de servidores da Casa. Também é papel do departamento analisar excepcionalidades de normas internas para proceder a contratação de servidores que, em decorrência de restrições concursais, não puderam ser incluídos no quadro de pessoal.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Está na hora da nação exigir a extinção desta oligarquia inoperante do Congresso Nacional de alto custo caro os cofres públicos, que age na contramão do interesse público e sem serventia para o povo brasileiro.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

TRANSPARÊNCIA NO PAPEL


Sete meses após sanção da lei, transparência só no papel. Ainda não há regulamentação da Lei de Acesso à Informação em 15 estados e no STF


GUILHERME AMADO
O GLOBO 16/12/12 - 22h36


O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage Gustavo Miranda / Agência O Globo


BRASÍLIA - Sancionada há um ano pela presidente Dilma Rousseff e em vigor há sete meses, a Lei de Acesso à Informação não pegou fora do Executivo federal. Sem regulamentação em 15 estados e no Supremo Tribunal Federal (STF), o texto ainda é um desconhecido dos brasileiros — mais de 50% dos pedidos de informação para o governo federal nesse período vieram apenas de São Paulo, Rio, Distrito Federal e Minas Gerais. No Amapá, por exemplo, não houve nem 80 consultas. Especialistas temem que, ignorada pela maioria dos municípios e cheia de entraves para ser cumprida no Senado e na Câmara dos Deputados, a principal legislação de transparência já aprovada pelo país ainda demore anos para sair do papel.

Resultado de uma longa batalha no Congresso, o texto se estende aos três Poderes, tribunais de contas e ministérios públicos. No entanto, além da lei em si, sancionada em 16 de novembro de 2011, cada Poder, nos três níveis de governo, deve regulamentar o passo a passo do acesso à informação e especificar, por exemplo, para onde serão encaminhados os pedidos, além do departamento que vai atuar como instância de recursos quando algum dado for negado. Até agora, entre os estados, apenas Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo fizeram a regulamentação.

— Como cidadão, acho lamentável que os estados ainda não tenham feito a regulamentação — critica o ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União, pasta responsável pela gestão da lei no Executivo federal.

Entre as prefeituras, grande parte ainda discute como isso será feito.

— O problema é que as prefeituras têm um impacto muito grande na vida das pessoas. Nem o Supremo regulamentou. Sem isso, a lei não vai virar realidade — alerta o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo Fabiano Angélico, autor de uma dissertação sobre o tema.

Lei não é cumprida

No Supremo, a expectativa é que essa e outras pendências administrativas sejam decididas após o fim do julgamento do mensalão. A Comissão de Regimento Interno da Corte, composta pelos ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, deverá decidir como vai ser a regulamentação. A matéria aguarda o posicionamento de Joaquim Barbosa. Como só haverá mais uma sessão administrativa até o fim do ano, a expectativa é que a regulamentação só ocorra em 2013.

— É uma lei fundamental para o Brasil e esperamos regulamentá-la em breve — explica o ministro Marco Aurélio Mello.

No Senado e na Câmara dos Deputados, a lei ainda não é cumprida plenamente. Para se ter acesso aos salários dos servidores, nome a nome, é necessário um cadastro. Os dados pessoais de quem solicita a informação são enviados para o servidor cujo vencimento foi pesquisado. Isso já criou episódios como o de uma servidora que enviou e-mail em tom ameaçador ao cidadão que buscou saber seu salário. Diretor da ONG Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco lembra que os entraves do Congresso impedem ainda que sejam identificados supersalários ou comparadas distorções salariais.

— A Casa Branca divulga os salários de seus funcionários há anos. Mais de 90 países já tinham essa lei antes do Brasil. Aqui a cultura da informação reservada está muito sedimentada. O burocrata que está em qualquer desses órgãos, seja ele concursado, comissionado ou eleito, é um mero gestor. Os donos da informação somos nós — defende Castello Branco.

Mas, no próprio governo federal, ainda existem obstáculos a serem vencidos. O principal deles é o baixo conhecimento da lei entre a população, tarefa que poderia ser cumprida pelo governo federal. O ministro Jorge Hage lamenta a falta de verba para fazer uma campanha publicitária de massa.

— Infelizmente, não temos recursos para publicidade. Temos dificuldades. Acaba que a divulgação fica no boca a boca. Em 2013, também não teremos recursos — constata Hage.

A CGU decidiu abrir para os estados e prefeituras o código fonte do e-Sic, sistema on-line criado pelo ministério para que o cidadão possa fazer de forma fácil um pedido. A partir de 2013, serão oferecidos treinamentos para servidores estaduais e municipais sobre o funcionamento da lei.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Como toda lei no Brasil: a justiça aplica o que ela quer e os poderes cumprem como querem deixando-a no limbo. Resultado: uma boa ideia fica no papel a espera de um  povo ameaçado que cansa e esquece para não se incomodar. O que nos salva são os intrépidos repórteres de mídia com coragem capaz de enfrentar o poder político e financeiro do Estado. ESTE É O NOSSO BRASIL.



CONSULTAS CRIAM CLIMA DE INTRIGA


No Congresso, consultas sobre funcionários públicos criam clima de intriga. Sistema dá aos servidores informações detalhadas sobre quem acessou seu contracheque


FERNANDA KRAKOVICS
O GLOBO 16/12/12 - 22h43



BRASÍLIA - A Câmara e o Senado resistiram o quanto puderam à divulgação dos salários de seus funcionários. Depois que foi obrigado a fazê-lo, por determinação judicial, o Legislativo implantou uma transparência às avessas, na tentativa de inibir as consultas. Os servidores não só são informados sobre quem acessou seu contracheque, como recebem os dados, como e-mail e CPF, de quem consultou seus vencimentos. Esse modelo é exclusivo do Congresso.

Como o internauta não é informado pela Câmara nem pelo Senado que será identificado, o procedimento já provocou brigas de família, mal-estar entre colegas e até processos na Justiça. Vítimas de servidores mais exaltados entraram com processos por danos morais e injúria.

Antes de ter acesso ao salário de um servidor do Legislativo, o interessado precisa preencher um formulário com seus dados. A identificação do computador (IP) é feita automaticamente. Não há aviso de que essas informações serão enviadas para o funcionário.

Analista judiciário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Weslei Machado entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Distrito Federal pedindo indenização por danos morais; e com uma ação penal pelo crime de injúria depois que uma analista legislativa do Senado o chamou de “fofoqueiro” e “bisbilhoteiro”, em e-mail.

— É uma afronta pegar meus dados, como cidadão, e me expor dessa forma. É relevante a discussão sobre segurança. Eu sou servidor público e todo mundo sabe o meu salário. A questão é esses dados serem disponibilizados para o servidor. Que fossem para um banco de dados — afirmou Machado.

Mas o maior impacto parece ter sido em relações familiares. A maioria dos relatos de saias justas provocadas pela forma como a Câmara e o Senado implementaram a Lei de Acesso à Informação envolve o acesso de parentes ao contracheque de funcionários do Legislativo. A assessora de um senador, ocupante de um cargo de confiança, ficou revoltada ao saber que uma prima da madrasta foi conferir seu salário, e foi se queixar com o pai. Uma outra servidora não gostou ao ver o marido entrando no Portal da Transparência para consultar seus vencimentos. Há também o previsível rol de ex-maridos, ex-mulheres, ex-namorados (as) e ex-noivos (as).