MP investigará divulgação de salários do Senado. Denúncia
anônima motivou abertura de processo que analisará se a forma encontrada
pelo Legislativo para informar vencimentos de servidores burla a Lei de
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Mariana Haubert | CONGRESSO EM FOCO 16/10/2012 07:00
Weslei Marcelino/Senado
Ao
contrário dos demais poderes, sistema adotado pelo Congresso só permite
informações individuais sobre os salários de seus funcionários.
A
polêmica em torno da forma como o Congresso Nacional está divulgando os
salários dos seus servidores já chegou ao Ministério Público. No início
de outubro, o órgão abriu uma investigação sobre a forma escolhida pelo
Senado para divulgar sua folha salarial. Tanto o Senado como a Câmara
resolveram não publicar a lista completa das remunerações, criando um
sistema que obriga que a investigação seja feita especificamente sobre
cada funcionário. Além disso, as duas Casas obrigam que a pessoa
interessada na informação identifique-se e, depois, informa ao servidor
que alguém pediu informações sobre seus vencimentos. Uma pessoa entrou,
então, com denúncia no Ministério Público especificamente sobre o
Senado. Na denúncia, a pessoa afirma que o Senado estaria inibindo, com o
modelo adotado e com as exigências feitas, o acesso a informações
públicas, contrariando o espírito da Lei de Acesso. O caso está nas mãos
do procurador da República Felipe Fritz, ainda em fase inicial.
Câmara e Senado exigem CPI para revelar salário de servidor Para
acessar o sistema do Senado, é preciso informar o nome, CPF, endereço
completo, email e telefone do interessado. Fica registrado também o
número IP do computador usado pelo solicitante. Na Câmara, a situação é a
mesma. Além disso, em ambas as Casas, o servidor que teve algum dado
verificado é avisado sobre isso. No entanto, a assessoria de imprensa da
Câmara não soube explicar se a comunicação é automática ou se o
servidor precisa solicitar a lista de todos que o procuraram.
Já no Senado, o servidor que teve seus dados acessados é informado em
sua página pessoal na intranet da Casa. Em nota, o Senado alegou que,
dessa forma, cumpre a lei e cuida de dar igual direito a pesquisadores e
pesquisados. “Se um cidadão pode buscar informação pessoal sobre outro,
é direito deste outro cidadão também saber quem é esse interessado”,
diz a nota.
Desobediência à lei Desde a
regulamentação da Lei de Acesso pela presidenta Dilma Rousseff, o
Legislativo tem sido o poder mais refratário à determinação de dar
publicidade à sua folha salarial. O Congresso é a única instituição que
exige informações do cidadão para acessar esse tipo de informação. Nos
demais poderes, o que está publicado é de livre acesso. “O exercício
fundamental nessa questão é comparar. Por que o Executivo e o Judiciário
divulgam as mesmas informações de forma livre e por que no Congresso
isso é diferente? Quando se procura controlar a informação, ou
escondê-la muito é porque ela tem o potencial de causar estragos. Então,
qual é exatamente o estrago que eles querem evitar?”, questiona o
pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e especialista em transparência
pública Fabiano Angélico.
Segundo o pesquisador, existe ainda
um outro problema em questão. Para ele, o Congresso confundiu dois
aspectos da lei: a transparência ativa e passiva. A lei não fala sobre a
divulgação de salários, por isso, para Fabiano, nenhum órgão está
obrigado a informar quanto paga a seus servidores.
“Em alguns
países esse tipo de informação está disponível mediante solicitação.
Talvez teria sido mais coerente e menos vergonhoso para o Congresso
anunciar que não publicaria os salários com os nomes”, afirmou Fabiano.
Para ele, o cuidado com a segurança dos servidores procede, mas ainda
assim é preocupante o que chamou de uma “situação policialesca”. “Embora
esteja publicado na internet, é quase como um pedido de acesso. E se
for considerado assim, podemos dizer que o Congresso está desobedecendo
uma lei que, curiosamente, ele mesmo aprovou”, disse. A lei estabelece
que o cidadão se identifique quando faz uma solicitação de informação,
mas não quando acessa um banco publicado proativamente pelo órgão.
Constrangimento Na semana passada, o site Contas Abertas
revelou que o funcionário público Weslei Machado foi chamado de
“bisbilhoteiro” e “fofoqueiro” por uma servidora do Senado que teve suas
informações acessadas por ele. Weslei também trabalha no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Ele afirmou que acessou as informações quando
começaram as discussões sobre o aumento salarial no Judiciário. Ele
então quis comparar a remuneração dos servidores do TSE com os de outros
poderes e fez a consulta aleatoriamente.
Após realizar a
consulta, a servidora entrou em contato e perguntou por que ele estava
interessado em sua vida. Para Weslei, o caso desencoraja a população a
exercer o seu papel fiscalizatório.
Apesar do constrangimento,
as duas Casas afirmaram que não pretendem alterar a forma de identificar
o cidadão que busca informação.
Dados Abertos Outro
problema encontrado na forma como o Congresso divulga as informações
salariais é a não publicação delas em formato aberto, ou seja, que
possam ser manipuladas de forma a obter, por exemplo, indicações de
erros nas folhas salariais. Nos dois casos é preciso fazer a consulta
individualmente, ou seja, só é possível saber o salário de cada um dos
mais de 25 mil servidores e parlamentares de forma individual.
Quando
ainda não havia a divulgação nominal, ambas as Casas publicaram listas
com todas as informações. Quando a justiça derrubou a liminar que
possibilitava ao Congresso não publicar os nomes dos servidores, Senado e
Câmara recuaram para o modelo atual.
Dessa forma, o levantamento mais amplo que se tem continua sendo o feito pelo Congresso em Foco
a partir de dados que o site obteve das folhas salariais da Câmara num
período de 18 meses, entre 2010 e o ano passado. A partir desses dados,
foi possível saber que a Câmara pagou mais de R$ 1 milhão de reais nesse
intervalo de tempo a apenas 14 de seus servidores. E que a cúpula da
Casa ganhou no período uma média de R$ 44 mil mensais, valor que é quase
o dobro do teto salarial do funcionalismo, hoje fixado em R$ 26,7 mil.