quinta-feira, 11 de junho de 2015

NO RUMO DA TRANSPARÊNCIA



ZERO HORA 11 de junho de 2015 | N° 18190
 


POLÍTICA + | Rosane de Oliveira


A forma escolhida pelo governador José Ivo Sartori para divulgar os salários dos servidores do Executivo segue um padrão semelhante ao adotado por Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Assembleia Legislativa. Não é uma lista com nomes e vencimentos, mas uma relação em que é preciso clicar no nome do funcionário ou digitá-lo para ter acesso ao demonstrativo de pagamentos.

O sistema poderia ser mais amigável, para permitir, por exemplo, a montagem de um ranking de comparação de salários entre poderes, mas é melhor alguma transparência do que o sigilo absoluto de dados que, por lei, devem ser públicos.

A opção do governo por divulgar os salários por órgãos facilita a localização de nomes e de eventuais distorções. Em um primeiro momento, chama atenção, por exemplo, a presença de 111 funcionários na Casa Militar do Palácio Piratini. Para que tanta gente? A justificativa de sucessivos governos é de que a Casa Militar é responsável pelas atividades de defesa civil. É paradoxal que defesa civil seja atribuição de uma estrutura militar.

A Fundação Piratini (TVE e FM Cultura) tem 249 funcionários, entre concursados e cargos em comissão. A Fundação Zoobotânica, 198. A Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) tem 561 pessoas na folha. Secretários próximos do governador acreditam que o Estado ainda tem muita gordura para queimar e que seria possível fazer o mesmo com um número menor de servidores, tanto na administração direta como na indireta.

A divulgação dos salários confirma que, no Executivo, a maioria absoluta ganha menos do que o auxílio-moradia do Judiciário e do Ministério Público. As ilhas de exceção em matéria de bons salários estão na Secretaria da Fazenda, na cúpula da Polícia Civil e da Brigada Militar e na Procuradoria-Geral do Estado.



GOVERNADOR GANHA MENOS

Com a divulgação dos salários do Executivo, é possível comparar: o governador José Ivo Sartori ganha menos do que os seus secretários. O bruto é de R$ 24,3 mil, mas, como ele abriu mão do último aumento, o salário líquido cai para para R$ 11,4 mil.

Quem é apenas secretário recebe R$ 18,9 mil (líquido de R$ 14,2 mil). Os cinco chefes de pastas que vieram da Assembleia ganham R$ 25,3 mil brutos (R$ 16,9 mil após os descontos legais). Os dois oriundos da Câmara, R$ 33,7 mil (líquido de R$ 22,7 mil).

Os dois secretários que vêm do Ministério Público têm, além da remuneração bruta de R$ 30,4 mil, R$ 4,3 mil de auxílio-moradia e uma gratificação de R$ 11 mil (com retenção de parte por extrapolar o teto).

A primeira-dama Maria Helena Sartori abriu mão de parte do salário e, dos R$ 18,9 mil, recebe somente R$ 9,4 mil líquido.

DETALHE CURIOSO DA LISTA DE SALÁRIOS DO EXECUTIVO: JUVIR COSTELLA RECEBE R$ 12,7 MIL BRUTOS. O SECRETÁRIO DE TURISMO DIZ QUE ABRIU MÃO DE PARTE DA REMUNERAÇÃO, POR SER APOSENTADO DA CAIXA ECONÔMICA ESTADUAL.



AINDA FALTA A DEFENSORIA

Um dos últimos órgãos a manter os salários nominais em sigilo é a Defensoria Pública do Estado, que tem autonomia administrativa e financeira.

O defensor-geral, Nilton Arnecke, promete a divulgação para a próxima semana.

– Vamos divulgar. Tivemos um problema operacional, que será resolvido, e, até a semana que vem, tudo estará publicado.

Um defensor público em início de carreira ganha R$ 22,2 mil. O salário do defensor-geral é de R$ 30,4 mil. Ao contrário do Ministério Público e do Judiciário, os defensores não recebem auxílio-moradia.

Outra informação que não está disponível no site da transparência é o valor pago a cada pensionista do Instituto de Previdência do Estado. Não há previsão de divulgação desses dados.



ALIÁS

O governo ainda não cumpriu a promessa de divulgar os salários pagos nas estatais, como CEEE, Corsan e Corag. São informações relevantes até para que se possa avaliar o custo-benefício dessas estruturas.

RS DIVULGA LISTA, MAS FALTA AVANÇAR



ZERO HORA 11 de junho de 2015 | N° 18190

JULIANA BUBLITZ


TRANSPARÊNCIA PÚBLICA. SALÁRIOS DOS SERVIDORES do governo gaúcho estão disponíveis em site, porém, não é possível baixar arquivos para análises, como determina a lei


Com três anos de atraso, o governo do Rio Grande do Sul passou a divulgar ontem, em seu site, os nomes e os salários de servidores públicos estaduais. Só que a tão esperada transparência, na avaliação de especialistas, chegou “pela metade” e desprezou um dos artigos da Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012.

A decisão de abrir os arquivos vinha sendo protelada desde a gestão anterior. O ex-governador Tarso Genro negou-se a levar a medida adiante por entender que feria a privacidade do funcionalismo.

Na semana passada, o governador José Ivo Sartori publicou um decreto no Diário Oficial do Estado anunciando o fim do mistério em torno das remunerações nominais. O problema é que o sistema escolhido para a divulgação tem dados em formato fechado (que só permite a pesquisa nome por nome), o que impede o cruzamento e a análise das informações em sua totalidade.

– É lamentável, depois de tanto tempo, o governo gaúcho fazer isso. E não é porque o programador é ruim. O objetivo parece mesmo querer dificultar as comparações – diz o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas.

O modelo bate de frente com o artigo oitavo da lei, segundo o qual, entre outras exigências, os sites de órgãos públicos devem assegurar o acesso e “a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos”. A intenção, com isso, é “facilitar a análise das informações”. Secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji traduz o significado da restrição:

– Para cidadãos interessados em verificar como é gasto o dinheiro público ou para jornalistas que têm como ofício acompanhar a administração pública, não interessa saber quanto cada indivíduo recebe isoladamente. Interessa ter a visão geral, a remuneração de servidores em relação ao quadro completo. Interessa conseguir produzir uma análise dessas despesas.

Fica praticamente impossível, segundo Marina, identificar distorções em remunerações ou verificar se algum servidor recebe um valor desproporcional. Por exemplo: ZH não conseguiu quantificar nem identificar aqueles que ganham acima do teto do Executivo estadual – de R$ 30.471,11.

– Basicamente, é um tiro no pé: o governo do Estado quis parecer transparente, mas essa ferramenta expõe o quanto ele não quer de fato sê-lo – conclui Marina.

OUTROS PODERES TAMBÉM FALHAM

Por meio da assessoria de imprensa, o chefe da Casa da Civil, Márcio Biolchi, disse que a medida tirou “o Executivo da situação incômoda de ser o único Poder do Estado que não divulgava essas informações”. Segundo ele, foi adotado “o modelo de demais instituições gaúchas”. Biolchi reconheceu que “sempre há espaço para críticas e sugestões”.

Assembleia, Tribunal de Justiça e Ministério Público mantêm programas semelhantes ao do Piratini – e igualmente limitados. Mas o Tribunal de Contas do Estado está um passo à frente, assim como o governo federal e a prefeitura de Porto Alegre: em seus portais, não existe esse tipo de limitação (veja quadro ao lado).

A discrepância de posições, para Gisele Craveiro, coordenadora do Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da Universidade de São Paulo (USP), tem a ver com a mudança cultural em curso. Ela diz que a lei de acesso brasileira é uma das mais progressistas do mundo e que foi uma das primeiras a determinar, expressamente, os dados em formato aberto.

– Desde que foi descoberto, o Brasil vive na cultura do sigilo. Por isso, é natural que ainda exista resistência, mas isso não quer dizer que temos de aceitar calados – destaca Gisele.



Para entidade de servidores, medida seria um “despropósito”


A divulgação dos dados foi recebida com críticas pela Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs). Vice-presidente da entidade, Flávio Berneira Júnior classifica a medida como “um despropósito”.

– Não vejo qual é o motivo para expor os servidores. Os organismos de controle e fiscalização já têm acesso aos dados. No momento em que se publica os nomes, se viola o direito à privacidade das pessoas – afirma Berneira.

O representante sindical, que também é presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado, destaca que o corpo jurídico da Fessergs vai avaliar o caso e, dependendo da conclusão, pode entrar na Justiça em busca de reparação.

– Também pode ocorrer de servidores buscarem os meios judiciais individualmente. Nesse caso, orientamos os sindicatos a dar apoio – diz Berneira.

Apesar disso, todas as tentativas já feitas de impedir a publicização irrestrita de nomes e salários acabaram sendo barradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril deste ano, a Corte negou o pedido de uma funcionária municipal de São Paulo para retirar do site da prefeitura o valor do seu salário. Na ocasião, os ministos confirmaram a legalidade da publicação das informações por todos os órgãos públicos.

– O servidor púbico, o agente público e o agente político estão na vitrina, eles são um livro aberto. O interesse público prevalece sobre o individual. Nós devemos contas aos contribuintes – afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, em seu voto.








PONTO PARA A TRANSPARÊNCIA




ZERO HORA 11 de junho de 2015 | N° 18190


EDITORIAL




Ainda que o modelo deva ser aperfeiçoado, adequando-se às exigências da Lei de Acesso à Informação, cumpre um compromisso de transparência o governador José Ivo Sartori com a decisão de divulgar os vencimentos de servidores públicos do Executivo. Mais uma vez, é importante ressaltar que esse não é um assunto de interesse da imprensa, mas sim do cidadão, que custeia a máquina administrativa com seus impostos e tem, sim, o direito de saber quem faz o quê e quanto ganha para isso. São compreensíveis as objeções de servidores inconformados com a decisão, mas o fato é que o setor público não tem mais como continuar convivendo com uma cultura do sigilo, que tanto se presta para deformações.

No caso específico, a decisão levou em conta a legislação que, em 2011, assegurou um ganho importante para a cidadania, conferindo maior transparência aos atos públicos. Com a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que em abril deste ano confirmou a legalidade da medida, o Executivo não tinha mais como continuar sonegando a informação. O mais importante não é o conhecimento do valor do salário em si, mas a perspectiva que a medida abre de maior fiscalização.

Certamente, será preciso avançar mais, principalmente sob o ponto de vista de maior facilidade na consulta e de maior clareza nos dados tornados disponíveis. A simples inclusão dos dados no Portal Transparência RS, porém, já se constitui num ganho importante para a cidadania e, por isso, deve ser saudada.