ZERO HORA 11 de junho de 2015 | N° 18190
JULIANA BUBLITZ
TRANSPARÊNCIA PÚBLICA. SALÁRIOS DOS SERVIDORES do governo gaúcho estão disponíveis em site, porém, não é possível baixar arquivos para análises, como determina a lei
Com três anos de atraso, o governo do Rio Grande do Sul passou a divulgar ontem, em seu site, os nomes e os salários de servidores públicos estaduais. Só que a tão esperada transparência, na avaliação de especialistas, chegou “pela metade” e desprezou um dos artigos da Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012.
A decisão de abrir os arquivos vinha sendo protelada desde a gestão anterior. O ex-governador Tarso Genro negou-se a levar a medida adiante por entender que feria a privacidade do funcionalismo.
Na semana passada, o governador José Ivo Sartori publicou um decreto no Diário Oficial do Estado anunciando o fim do mistério em torno das remunerações nominais. O problema é que o sistema escolhido para a divulgação tem dados em formato fechado (que só permite a pesquisa nome por nome), o que impede o cruzamento e a análise das informações em sua totalidade.
– É lamentável, depois de tanto tempo, o governo gaúcho fazer isso. E não é porque o programador é ruim. O objetivo parece mesmo querer dificultar as comparações – diz o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas.
O modelo bate de frente com o artigo oitavo da lei, segundo o qual, entre outras exigências, os sites de órgãos públicos devem assegurar o acesso e “a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos”. A intenção, com isso, é “facilitar a análise das informações”. Secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji traduz o significado da restrição:
– Para cidadãos interessados em verificar como é gasto o dinheiro público ou para jornalistas que têm como ofício acompanhar a administração pública, não interessa saber quanto cada indivíduo recebe isoladamente. Interessa ter a visão geral, a remuneração de servidores em relação ao quadro completo. Interessa conseguir produzir uma análise dessas despesas.
Fica praticamente impossível, segundo Marina, identificar distorções em remunerações ou verificar se algum servidor recebe um valor desproporcional. Por exemplo: ZH não conseguiu quantificar nem identificar aqueles que ganham acima do teto do Executivo estadual – de R$ 30.471,11.
– Basicamente, é um tiro no pé: o governo do Estado quis parecer transparente, mas essa ferramenta expõe o quanto ele não quer de fato sê-lo – conclui Marina.
OUTROS PODERES TAMBÉM FALHAM
Por meio da assessoria de imprensa, o chefe da Casa da Civil, Márcio Biolchi, disse que a medida tirou “o Executivo da situação incômoda de ser o único Poder do Estado que não divulgava essas informações”. Segundo ele, foi adotado “o modelo de demais instituições gaúchas”. Biolchi reconheceu que “sempre há espaço para críticas e sugestões”.
Assembleia, Tribunal de Justiça e Ministério Público mantêm programas semelhantes ao do Piratini – e igualmente limitados. Mas o Tribunal de Contas do Estado está um passo à frente, assim como o governo federal e a prefeitura de Porto Alegre: em seus portais, não existe esse tipo de limitação (veja quadro ao lado).
A discrepância de posições, para Gisele Craveiro, coordenadora do Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da Universidade de São Paulo (USP), tem a ver com a mudança cultural em curso. Ela diz que a lei de acesso brasileira é uma das mais progressistas do mundo e que foi uma das primeiras a determinar, expressamente, os dados em formato aberto.
– Desde que foi descoberto, o Brasil vive na cultura do sigilo. Por isso, é natural que ainda exista resistência, mas isso não quer dizer que temos de aceitar calados – destaca Gisele.
Para entidade de servidores, medida seria um “despropósito”
A divulgação dos dados foi recebida com críticas pela Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs). Vice-presidente da entidade, Flávio Berneira Júnior classifica a medida como “um despropósito”.
– Não vejo qual é o motivo para expor os servidores. Os organismos de controle e fiscalização já têm acesso aos dados. No momento em que se publica os nomes, se viola o direito à privacidade das pessoas – afirma Berneira.
O representante sindical, que também é presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado, destaca que o corpo jurídico da Fessergs vai avaliar o caso e, dependendo da conclusão, pode entrar na Justiça em busca de reparação.
– Também pode ocorrer de servidores buscarem os meios judiciais individualmente. Nesse caso, orientamos os sindicatos a dar apoio – diz Berneira.
Apesar disso, todas as tentativas já feitas de impedir a publicização irrestrita de nomes e salários acabaram sendo barradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril deste ano, a Corte negou o pedido de uma funcionária municipal de São Paulo para retirar do site da prefeitura o valor do seu salário. Na ocasião, os ministos confirmaram a legalidade da publicação das informações por todos os órgãos públicos.
– O servidor púbico, o agente público e o agente político estão na vitrina, eles são um livro aberto. O interesse público prevalece sobre o individual. Nós devemos contas aos contribuintes – afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, em seu voto.
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