domingo, 11 de agosto de 2013

O SIMBÓLICO E O FINGIDO


ZERO HORA 11 de agosto de 2013 | N° 17519

Flávio Tavares*


A todo momento os símbolos nos rodeiam, cada vez mais. Ao longo da História, a vida em sociedade fez uso deles. O que é a fala, se não a expressão simbólica dos desejos ou estados de ânimo? E a escrita, símbolo maior, que torna perenes ideias e pensamentos? Há séculos, a feitiçaria, a filosofia e a antropologia (depois a psicanálise) tentam desvendar como as coisas concretas se exteriorizam em símbolos, ou vice-versa.

No Brasil, não precisamos disto. Tudo é símbolo e os símbolos do que somos estão nas notícias de jornal. A reforma do estádio do Maracanã, por exemplo, já ultrapassou R$ 1 bilhão 260 milhões – símbolo da corrupção do superfaturamento nas obras públicas. O Tribunal Superior Eleitoral é o ventre em que se gesta a democracia (convoca e disciplina eleições e proclama os eleitos), mas esqueceu-se disto e cedeu a uma empresa privada os dados pessoais de 141 milhões de eleitores. A empresa privada é a Serasa, que exerce serviço de caráter público – armazena dados sobre dívidas e devedores. Os burocratas do TSE cederam nossos dados pessoais sem consultar os juízes e ministros, que souberam do escândalo pela imprensa...

O que leva um tribunal a violar a privacidade dos cidadãos? Demência ou delinquência? Corrupção ou que outra razão?

Tudo é símbolo. Nos últimos dias, a atenção dos senadores e deputados se concentrou no tal “orçamento impositivo”, que obriga o governo a pagar as multimilionárias verbas emendadas ao Orçamento da União para recompensar cabos eleitorais ou esconder negociatas em obras inúteis. Em 2013, vão a quase R$ 30 bilhões.

O símbolo dos símbolos, porém, é Amarildo de Souza, pedreiro e morador de uma favela carioca, “desaparecido” depois de preso numa Unidade de Polícia Pacificadora (sic), no Rio. Agora, a mulher e os filhos vão deixar a cidade e fugir, por medo, para o interior. Só não irão para o conflituoso sul do Estado do Rio, onde o biólogo Gonzalo Alonso foi morto, dias atrás, ao protestar contra a caça predatória e a devastação de palmitais na reserva de Cunhambebe.

O sumiço do pedreiro Amarildo reproduz o do engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva na ditadura. A artimanha é igual: sumir com o corpo. Antes, todos se calavam. Hoje é até mais doloroso: nem a denúncia pública evita a mentira.

Tal qual o anti-herói é um herói ao contrário, o símbolo tem no fingimento o seu oposto. Ou sua extensão. Veja-se a espionagem dos Estados Unidos no Brasil e na América Latina, desmascarada pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden. Os chanceleres do Mercosul foram a Nova York queixar-se ao secretário-geral da ONU pela despudorada e aberta espionagem em que atuam 70 mil pessoas. “As explicações dos EUA são insuficientes. Queremos esclarecimentos adicionais”, disse Anthony Patriot, brazilian Foreign minister, num tom tão ameno, que só posso escrever seu nome e cargo assim, na língua deles, não na nossa.

No mesmo dia, em Brasília, ao depor no Senado, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald (que recebeu de Snowden os dados sobre a ação da CIA entre nós) opinou sobre a posição do Brasil:

– O governo mostra mais raiva com os EUA em público do que em privado. O Brasil finge raiva, como todos os outros governos!

Após revelar a trama de terror da espionagem pela internet, Snowden pediu asilo político ao Brasil. O ministro Patriota nem respondeu. Calou-se. Viu no ex-técnico da CIA um terrorista, não um perseguido político? Se é assim, por que encampa, em público, tudo o que Snowden desvendou?

Ou, como é comum entre nós, tudo em tudo é apenas simbólico ou fingido?*JORNALISTA E ESCRITOR

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