PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA
Fantasmas nos escaninhos
Não é de hoje que os funcionários da Procempa imploram por uma devassa na empresa de processamento de dados da prefeitura de Porto Alegre. Reclamam de uso político, apontam irregularidades, protestam contra o excesso de cargos em comissão. Uma amostra desse quadro caótico está retratada na reportagem de Adriana Irion nas páginas 4 e 5 desta edição. A repórter antecipa uma parte do que deve aparecer em duas frentes de investigação abertas para apurar desvios na companhia: no Ministério Público Estadual e na prefeitura, que realiza uma inspeção especial por determinação do prefeito José Fortunati.
A Procempa é uma caixa-preta que destoa da transparência adotada na prefeitura de Porto Alegre, uma das primeiras a cumprir a Lei de Acesso à Informação. No site, não estão disponíveis os nomes dos servidores e ocupantes de cargos em comissão, nem informações sobre receita e despesa. Feudo do PTB desde o governo de José Fogaça, a Procempa é um dos postos mais cobiçados da administração municipal, pelos salários e pelas vantagens que oferece.
A reportagem disseca três casos que podem ser tratados como escandalosos: o pagamento de eventos que não têm relação com as atribuições da empresa, a compra de um sistema de gestão tributária que apresenta falhas e o descontrole do plano odontológico, que permite a inclusão de dependentes por uma simples declaração do funcionário. Além de não precisar comprovar a dependência, o plano paga serviços de alta complexidade, como próteses e tratamentos ortodônticos, sem qualquer tipo de perícia.
O outro caso, que está sendo investigado pelo MP, beira o surrealismo: um sistema, que poderia ser desenvolvido internamente, foi contratado de uma consultoria com a justificativa da urgência. O detalhe é que isso ocorreu em 2005 e até hoje não está em pleno funcionamento, acarretando prejuízos para o município.
ALIÁS
Apesar de ter criado uma comissão para investigar a Procempa, a prefeitura não oferece explicação para uma série de problemas na empresa. No jogo de empurra, ficaram perguntas sem resposta.
PROCEMPA - Os entraves em uma companhia
Criada há três décadas para prestar serviços de tecnologia da informação para a prefeitura da Capital, a Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre está cercada por excessos que indicam descontrole nos gastos com dinheiro público.
Por trás da missão de “prover soluções em tecnologia da informação e comunicação”, a Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa) se transformou nos últimos anos em um espaço marcado por suspeitas de abusos que consomem dinheiro público.
As possíveis irregularidades que levaram a um rombo financeiro no uso do plano odontológico da companhia, em 2011, são um dos exemplos de descuido com verba pública. Naquele ano, houve incremento na lista de dependentes, e o gasto somente com procedimentos dentários “extraplano”, como implantes, saltou para R$ 1,4 milhão (no ano anterior, o valor fora de R$ 657 mil). Entre os beneficiários, não aparecem apenas dependentes diretos, como filhos.
Há sogras, sogros, sobrinhos, neto e pais de funcionários, de servidores com cargos em comissão (CCs) e até de ex-CCs. A Procempa pagou sem saber se todos esses beneficiários declarados realmente dependiam dos familiares lotados na empresa pública. Não houve investigação para detectar possíveis casos de declaração falsa de dependentes.
Outra rubrica pela qual estariam escoando recursos da companhia sem ligação direta com sua finalidade são os eventos. Servidores costumam chamar a Procempa de “central de eventos da prefeitura”. O motivo: ela paga a conta de atividades festivas do Executivo municipal. A empresa diz ter gasto em torno de R$ 400 mil, de 2007 até hoje, e que a parceria com a prefeitura tem base em convênio.
Zero Hora teve acesso aos orçamentos executados da companhia. Só em 2008 e 2009, sob a identificação de “locação de equipamentos multimídia + outros eventos” foram gastos R$ 5,1 milhões. Em 2010, o custo com “eventos e patrocínios de terceiros” foi de R$ 1,1 milhão.
MP entrou com ação judicial
À reportagem, a Procempa se negou a rever os dados informados ou explicar os valores descritos em orçamento. Também não deu resposta sobre um caso em que a empresa contratada para prestar um serviço de R$ 79,9 mil era de propriedade do marido da assessora de projetos sociais da companhia que assinou a autorização do serviço.
A mais recente polêmica envolve o Sistema Integrado de Administração Tributária (Siat), criado para cruzar milhares de dados contidos em arquivos do Executivo, facilitando o cálculo e a arrecadação de tributos. A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público ingressou na terça-feira com ação judicial contra o município, a Procempa e duas empresas envolvidas na implantação do sistema.
O histórico de problemas na Procempa levou o prefeito José Fortunati a determinar a abertura de sindicância. As conclusões devem ser anunciadas na primeira semana de junho. Até ontem, a prefeitura não havia sido notificada da ação do MP.
ADRIANA IRION
O QUE É - A Procempa foi fundada em 9 de setembro de 1977. É uma sociedade anônima de economia mista. Concebida originalmente como órgão municipal de processamento de dados, transformou-se em empresa de tecnologia da informação e comunicação. Tem como função prover soluções em tecnologia da informação e comunicação. A Procempa tem 286 funcionários concursados e 39 cargos em comissão (CCs). Dos 31 cargos de chefia na cúpula da companhia, 11 são ocupados por CCs.
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